Olá Jovem Mulher,
Hoje trazemos para entrevista uma jovem mulher que fez para o seu trabalho de licenciatura, algo tão surpreendente como propor a criação de uma biblioteca para o estabelecimento prisional Cadeia Central de Luanda “CCL” e transformá-lo em livro. Escreve poemas, é mãe, funcionária pública e com uma trajectória incrível para partilhar. Vamos começar?
Vamos pedir a nossa entrevistada que faça a sua apresentação.
- Quem é esta jovem mulher?
R: Sou a Julieta Valentim, Licenciada em Ciências da Informação pelo Instituto Superior de Ciências da Comunicação “ISUCIC”, Pós-graduada profissional em Ciências da Educação pelo Instituto Superior de Ciências da Educação “ISCED”, sou Evangélica, a sexta filha dentre sete irmãos, mãe de uma linda menina de quem sou muito fã e que também é a minha fonte de inspiração e funcionária pública colocada no Ministério da Acção social, Família e Promoção da Mulher.
- A pergunta que não se quer calar, de onde surgiu a ideia de trabalhar numa cadeia masculina?
R: (Risos) Foi um desafio que decidi abraçar, a ideia era trazer algo diferente que nunca havia sido tema de monografia ou de algum debate, e tentar enquadrar a Ciência da informação em várias áreas da vida social, e com a ajuda da minha Tutora Kennialiss Hernandez (Professora Cubana), ajustamos as ideias e criamos o tema: “Criação de Bibliotecas em estabelecimentos prisionais como método de reintegração social”.
- Conta-nos como foi a experiência e o que aprendeu com ela?
R: Foi uma experiência muito boa, incrível, tanto é que os presos me tratavam por Doutora Dona da Liberdade (Risos). É um trabalho bastante árduo que os profissionais dos serviços prisionais têm feito, aprendi a fazer o papel de um activistas social, professora e ao mesmo tempo de psicóloga, há uma realidade muito diferente por detrás dos muros altos e paredes gradeadas, mas infelizmente a sociedade ainda fica apática quando o assunto são as cadeias.
Fiz o trabalho com muito carinho e dedicação, recebi o convite para fazer o estágio e treinamento, mas infelizmente não pude continuar porque estávamos na fase da elaboração da monografia que exigia muito de nós.
- Em algum momento se sentiu ameaçada ou que colocava a sua integridade física em risco?
R: Não, em nenhum momento isso aconteceu. Pois, antes de termos o contacto com os reclusos, recebemos algumas instruções de segurança, bem como sobre a forma de nos apresentarmos diante de um recluso: estar sempre de calça jeans, blusas sem decotes, não usar perfumes muito activos e usar sempre uma bata branca.
- A Julieta teve a sua filha no meio da formação. Pode partilhar connosco como este facto afectou a sua vida?
R: Engravidei no decorrer do 2º ano e dei a luz no 3º ano, foi uma experiência muito complicada, pois não foi fácil estar grávida e estudar ao mesmo tempo. Mesmo com uma gravidez tranquila, tive que me esforçar muito para não interromper os estudos e, a relação dos meus pais e irmãos quando contei que estava gravida deu-me forças para continuar, pois eles ficaram desapontados e com receio de que eu parasse a formação por conta da gravidez. Mas graças a Deus tudo terminou bem (risos).

- E o que se diz por aí que há momento para tudo, concorda ou basta que cada uma tenha os seus objectivos bem delineados?
R: Não concordo, a vida é tão curta que se nos deixarmos levar por isso de que há momento para tudo, quando darmos conta o tempo passou e o momento se foi. Acredito que basta termos os objectivos bem delineados, sabermos o que procuramos e o que realmente queremos… acho isso.
- Já agora, o que a Julieta faz actualmente?
R: Actualmente além de funcionária pública, sou também palestrante e formadora, criei uma empresa de formação e assessoria em ciências da Informação: BAMI, Lda. (Biblioteca, Arquivo, Museu, e Informação).
- É formada em Ciências da Informação. Um curso totalmente novo em Angola. Tem tido muitas dificuldades em explicar a sua formação?
R: Muitas dificuldades, quando dizemos que somos formadas em Ciências da Informação, logo as pessoas associam ao jornalismo, então temoss que dar uma pequena aula magna sobre o que realmente são as Ciências da Informação.
- Os concursos públicos não fazem (por norma) menção a vagas na sua área de formação. Acha que as pessoas ainda não conhecem esta ciência?
R: Não conhecem como tal o que são Ciências da Informação, porém, actualmente já se tem feito menção ao nosso curso, apesar de ser numa escala de 0,1%, porque dentre cinco concursos públicos apenar um faz menção a nossa área de formação.
- O que os profissionais de informação como a Julieta é, têm feito para se fazerem conhecer?
R: Acho que como profissionais de informação temos feito muito pouco para nos fazermos conhecer, além da criação da minha empresa, aproveito muitas vezes nas minhas palestras e formações falar um pouco sobre as Ciências da Informação.

- Começou o estágio logo depois da formação e a seguir conseguiu um emprego. Um problema com que muitos jovens têm se deparado. Acha que teve sorte ou foco?
R: Acho que tive foco, pois participei em três concursos públicos e acabei por entrar nos três (risos). Foi complicado depois ter que escolher onde ficar, mais no final acabei escolhendo o que oferecia maiores oportunidades de vir a crescer profissionalmente.
- E a poesia? Sei que faz parte da sua vida. Pode falar-nos um pouco sobre isso?
R: Faz sim parte de mim. Tudo começou quando ainda frequentava o ensino, escrevias SMS para as colegas enviarem aos namorados, textos motivacionais, e elas foram dando apoio, incentivando a ter um caderno onde pudesse registar tudo, e dali nasceu o bichinho da escrita.
- O livro que escreveu é totalmente sobre poesia? Pensa editar e fazer o lançamento ou é apenas para si?
R: Penso em lançar, mas de momento estou a tratar do lançamento de outra obra cinética pela Soletrar Editora, a poesia vem daqui a 1 ou 2 anos.

- Tenho que fazer essa pergunta. É difícil ser mulher em Angola?
R: (Risos), acho que em todo mundo “né”… é difícil sim, o machismo ainda tem uma percentagem acentuada na nossa sociedade, mas temos feito muito para contornar a situação. Há muitas mulheres a fazer muito para o empoderamento das mulheres e redução das disparidades de género.
- Ser mulher, jovem, linda e inteligente. Que dificuldade tem que enfrentar e superar para se fazer respeitar?
R: As dificuldades têm sido várias, principalmente no ambiente de trabalho, ser líder de uma equipa de trabalho onde há homens também, somos muitas vezes obrigadas a ter que nos impor em várias situações para nos fazermos respeitar.
- Na sua opinião, quais são as maiores dificuldades que as mulheres enfrentam actualmente?
R: Actualmente as mulheres velam muito mais pelos seus direitos, equidade e igualdade do género, o que não tem sido encarado com muita leveza por parte de uma sociedade machista, onde o homem foi construído para ser o detentor de toda soberania, a quem as mulheres devem toda majestade. Mas as mulheres têm já vencido várias batalhas e ocupado cada vez mais lugares de destaque na sociedade.
- Hoje, as mulheres tomam decisões por si mesmas e decidiram ir à escola e ter uma vida profissional fora de casa. O que pensa a respeito?
R: Eu respeito a escolha de cada uma, e actualmente cada vez mais as mulheres têm tomado o rumo das suas vidas por elas mesmas, tanto na vida profissional como até mesmo na vida sentimental. Muitas delas têm se saído bem, mas infelizmente outras acabam por se perder. Penso que tudo isso depende dos objectivos e dos sonhos de cada uma.
- Na sua opinião, quais têm sido os maiores desafios que as mulheres “ainda” enfrentam na sua vida diária?
R: Os maiores desafios que as mulheres ainda enfrentam diariamente é tentar conciliar as múltiplas tarefas que lhe são atribuídas e, com essa pergunta digo mesmo que não é fácil ser mulher (Risos).
- Existem limitações para as mulheres, ou como diz o adágio “lugar de mulher é onde ela quiser”?
R: De maneira alguma, não há limitações para as mulheres, e já provamos isso. Hoje somos mulheres Pedreiras, Carpinteiras, Ministras, Presidentes lugares esses que a sociedade nos ensinara que só podiam ser ocupados por homens.
- O que mais a motiva, o que faz a Julieta inspirar e recomeçar?
R: Sem sombra de dúvidas a minha filha, depois aqueles que muito amo (minha família) por eles fiz e faço de tudo sem pestanejar.
- Depois de tudo que tem aprendido e tem feito. Sente-se uma mulher realizada ou ainda tem metas para alcançar?
R: Não, não me sinto ainda realizada, ainda há metas por alcançar, e muitas (risos).
- Que mensagem deixaria para as mulheres que como a Julieta, que correm atrás dos seus objectivos.
R: Dizer para todas as mulheres que não desanimem, apesar das circunstâncias não muito boas que estejam a passar agora, o melhor está por vir, basta erguer a cabeça, levantar e seguir em frente, e diga todos os dias para si mesma: “NÃO HÁ BARREIRAS MAIOR DO QUE A MINHA VONTADE DE VENCER…NÃO HÁ NADA QUE ME IMPEÇA DE AVANÇAR”.
- Quer acrescentar alguma coisa que não perguntamos?
R: Amei muito a entrevista e faço uma vénia a todas as mulheres angolanas e um BEM-HAJA ao nosso MARÇO MULHER.
- A Julieta considera-se uma pessoa feliz?
R: Sim, sou uma pessoa muito feliz, tenho a mão de Deus no meu viver, tenho uma família abençoada onde o amor é a base fundamental, melhor do que isso desconheço.